Do lixo ao luxo: Guilherme Brammer transforma resíduos em riquezas de forma sustentável

Do lixo ao luxo: Guilherme Brammer transforma resíduos em riquezas de forma sustentável

A Boomera, startup criada pelo vencedor do Moty na categoria Sustentabilidade, termina 2020 com lucro maior do que o do ano anterior, faturando cerca de R$ 40 milhões e com previsão de dobrar o crescimento em 2021: “Tem dinheiro nesse lixo, mas o sistema não está desenhado para aproveitá-lo”.

Transformar resíduos de materiais descartados em matéria-prima e gerar renda para uma rede enorme de empresas, cooperativas e catadores: essa é a tarefa hercúlea a que Guilherme Brammer se propôs à frente da Boomera, startup de reciclagem.

Apesar de ser um cara tranquilo e acessível, falar com Brammer pode ser uma tarefa difícil por causa da concorrência. O homem divide sua semana entre reuniões com CEOs de multinacionais, catadores de lixo, membros de cooperativas, reitores de universidade, executivos, gerentes de fábricas, operários, especialistas em sustentabilidade, alunos, qualquer outra pessoa interessada em gestão de resíduos e, claro, seus filhos – uma menina de oito anos e um menino de quatro. “Cresci em uma reserva ecológica em São Roque. Há sete anos consegui comprar de volta esse sítio, que era de um tio meu, e agora estou resgatando com meus filhos essa proximidade com a natureza”, conta.

A agenda cheia se explica também pela própria visão que o empreendedor de 43 anos tem do tema com o qual trabalha. Para ele, o problema do lixo deve ser resolvido com vários atores. “Não é uma pessoa ou uma empresa que vai ter uma bala de prata para resolver a questão de resíduos do planeta”, afirma. “É preciso de muita gente boa, muitos cérebros, muita diversidade para pensar diferente. A Boomera é uma empresa que faz essas conexões.”

Na verdade, o trabalho da startup criada há nove anos é mais abrangente que reciclar. Consiste em promover a economia circular, uma oposição à maneira tradicional de produzir. “A economia linear é aquela em que você extrai recursos, geralmente não renováveis, faz o produto, vende e reza para ele quebrar e vender outro”, define Brammer, explicando que na circular o resíduo gerado é recuperado e transformado novamente em matéria-prima. Para fazer isso, a Boomera conta com 120 funcionários atuando em todas as áreas desse ciclo. Ao todo, são 200 cooperativas com mais de 10 mil cooperados e 400 empresas conectadas no negócio. Seus produtos e serviços são contratados por companhias como Nestlé, Natura, Boticário, Grupo Pão de Açúcar, Procter & Gamble e Adidas, entre outras.

Esse escopo variável fez com que a crise econômica de 2020 não jogasse todo esse trabalho no lixo. “A cada cinco minutos era um cliente cancelando um pedido, achei que não aguentaríamos”, lembra Brammer. “Mas enquanto a parte de serviços sofreu muito, a de produtos foi bem. Vendemos matéria-prima para os mercados de construção civil, agrícola e de resina reciclada, que estão aquecidos”, analisa. Resultado: a Boomera termina 2020 com lucro maior do que o do ano anterior, faturando cerca de R$ 40 milhões e com previsão de dobrar o crescimento em 2021 e dobrar novamente em 2022. Além disso, em breve a startup deve abrir seu capital a fundos de investimentos estrangeiros e nacionais e bater a meta dos R$ 100 milhões em faturamento.

Esse crescimento é sustentável – e não apenas para a Boomera: os fundos internacionais querem investir em sustentabilidade, as empresas perceberam que podem gastar menos sendo sustentáveis, as startups têm espaço para ajudar a fazer isso e os consumidores não precisam pagar a mais por nada. Para que seja algo de longa duração, contudo, o empreendedor alerta que é preciso mudar as estruturas.

“Sustentabilidade tem que ser matéria obrigatória de escola. Não é só fazer vaso de garrafa pet na aula, é ensinar que jogar vidro no lugar certo não é reciclar, apenas ajudar na triagem”, adverte. “Cabe aos gestores criar mecanismos para envolver as pessoas nessa história. Nós separamos o lixo, quando muito com coleta seletiva, e nunca mais nos preocupamos com ele. Quem gera mais tem que pagar mais e se nós não formos provocados com gatilhos de mudança, dificilmente vamos aderir à reciclagem de verdade. Tem dinheiro nesse lixo, mas o sistema não está desenhado para aproveitá-lo”, conclui.

FONTE: https://gq.globo.com/Prazeres/Sustentabilidade/noticia/2020/12/do-lixo-ao-luxo-guilherme-brammer-transforma-residuos-em-riquezas-de-forma-sustentavel.html