A possibilidade de uso do lixo para a geração de energia existe no Brasil desde 2010, como parte da Política Nacional de Resíduos Sólidos, mas esta fonte ainda é insignificante em face das 80 milhões de toneladas geradas pelas cidades a cada ano. Dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), indicam que a produção de energia a partir de resíduos sólidos urbanos (RSU) se resume a 220 MW de potência instalada – ou 0,1% da matriz elétrica brasileira -, a despeito de avaliações que indicam potencial para alcançar 3%, suficiente para abastecer sozinho todo o estado de Pernambuco caso fosse integralmente aproveitado.
Hoje, o segmento se resume a 31 empreendimentos outorgados pela Aneel, a ampla maioria no estado de São Paulo. Um hiato de quase uma década entre a lei 12.305/2010 e a norma que viria a disciplinar o uso dos RSU como fonte de energia explica em parte porque a fonte não deslanchou no país.
Depois da criação da Política Nacional de Resíduos Sólidos, um regramento específico para a recuperação energética a partir do lixo só apareceu em 2019, em portaria dos ministérios de Minas e Energia, do Meio Ambiente e do Desenvolvimento Regional.
Na contramão deste cenário, a disposição em aterros é elencada como a destinação menos prioritária para o lixo urbano. Conforme o regramento nacional, são formas de destinação final ambientalmente adequadas e consideradas prioritárias, em ordem decrescente: não geração [dos resíduos], redução [na geração do lixo], reutilização [dos resíduos], reciclagem e tratamentos, entre os quais aparece a recuperação energética.
“Aterros de matéria-prima”
Para o secretário de Qualidade Ambiental do Ministério do Meio Ambiente, André França, o panorama atual é de oportunidade e energia desperdiçados. “Enterrar os resíduos, ainda que num aterro sanitário licenciado, representa um desperdício de uma matéria-prima em energia. “Por que enterrar e deixar isso no meio ambiente, sendo decomposto por milhares de anos? Qual é o ganho que se tem nisso quando você pode ter um sistema que controla a poluição e atende a sociedade? Esse é o debate que precisa ser feito”, destaca.
O representante da pasta frisa, ainda, que não há competição entre as destinações, com chances de que a geração por meio da recuperação energética dos Resíduos Sólidos Urbanos possa ser vantajosamente aliada a outras soluções, como a reciclagem.
“Os dois segmentos podem se fortalecer mutuamente. Um exemplo disso eu vi no interior do Paraná, numa uma cooperativa de catadores que faz a coleta seletiva de recicláveis. Ali, o material que não tem viabilidade para reciclagem, mas que apresentava poder calorífico num patamar interessante, é triturado e utilizado em fornos de cimento, para substituir o coque de petróleo [poluente e de alto custo]. É um exemplo de vivência em harmonia entre as tecnologias”, acrescenta: “havia reciclagem, o fomento à coleta seletiva e aquela fração que não era aproveitada, que a própria cooperativa descartava, ao invés de ser enterrada, retornava na forma de energia num outro segmento econômico”.
Um incremento do uso da recuperação energética traria também outros benefícios, como a diversificação da matriz, com inserção de mais uma fonte renovável.