Bióloga canadense cria empresa de tecnologia para reciclar plásticos até então “irrecicláveis”.

Bióloga canadense cria empresa de tecnologia para reciclar plásticos até então “irrecicláveis”.

A bióloga molecular Miranda Wang, premiada com o Prêmio Rolex de Empreendedorismo, fala exclusivamente à Marie Claire sobre o método industrial de reciclagem que desenvolveu.

Você já deve ter lido por aí que em 2050 a quantidade de plástico na água deve superar a de peixes. Segundo o World Wide Fund for Nature (WWF), cerca de 8 milhões de toneladas desses materiais entram no oceano anualmente. Um dos motivos que levam a esse cenário é o fato de que o sistema vigente de reciclagem não comporta diversos resquícios presentes nos plásticos. Mas e se pudéssemos recuperar uma parcela das sacolas e embalagens que hoje invariavelmente terminam em aterros – ou no mar?

Essa é a ideia da canadense Miranda Wang, bióloga molecular e empresária de 25 anos à frente da BioCellection, empresa que transforma resíduos plásticos não recicláveis em substâncias químicas úteis para as indústrias. Elas podem originar o volante de um carro, o interior de um colchão e até fraldas: Wang criou uma mina de ouro que associa sustentabilidade e interesse financeiro.

Em entrevista exclusiva à Marie Claire, a bióloga destrincha a origem, o funcionamento e o impacto da empresa, que acaba de ser laureada com o Prêmio Rolex de Empreendedorismo, iniciativa por meio da qual a empresa de relógios apoia indivíduos com projetos transformadores.

A alma do negócio

O interesse de Miranda por questões ambientais é antigo: desde a adolescência, ela tenta compreender o que acontece com produtos após seu descarte. Aos 16 anos, quando visitou uma estação de transferência de resíduos (onde o lixo é compactado antes de ser enviado para aterros), ela se chocou com a quantidade de plástico que acaba em aterros. “Percebi que as formas atuais de reciclagem de materiais têm uma tolerância muito baixa para plásticos contaminados e sujos, o que inconvenientemente se aplica para embalagens”, resume.

Em maio de 2015, a partir de um investimento de 50 mil dólares, Wang abriu junto à sua amiga Jeanny Yao a BioCellection, atualmente sediada no Vale do Silício. “Foi um desafio levantar fundos nos dois primeiros anos, principalmente porque não sabíamos como explicar para os investidores que nossa tecnologia era um bom negócio, já que estávamos num estágio inicial de pesquisa e desenvolvimento”, lembra ela. Mas a empresa teve algo valioso desde o início: uma ideia sem precedentes que poderá converter um terço do plástico que atualmente asfixia aterros, rios e oceanos em fonte de riqueza industrial.

A tecnologia da BioCellection

Estamos essencialmente reorganizando quimicamente o que está nesses plásticos e reciclando-os num nível muito fundamental”, resume Wang. O time de dez pessoas, inclusos sete cientistas, atua para quebrar moléculas dos materiais, que são decompostos em blocos químicos. “Plásticos são longas cadeias de carbonos que podem ser quebradas. Pense neles como peças de Lego: os pequenos pedaços podem montar qualquer tipo de estrutura”, ilustra ela.

As aplicações, portanto, são vastas: os blocos podem ser usados como nylons, poliuretanos, fotopolímeros e polímeros super absorventes (para uso em fraldas); e podem também ser modificados por bioprocessos e se tornarem lipídios, proteínas, alimentos e produtos farmacêuticos.

Quando questionada sobre o porquê de a indústria não ter explorado essa possibilidade para a reciclagem, Wang explica com detalhes: “Grupos industriais ficam em suas zonas de conforto. A atual indústria química e de plásticos é projetada para absorver óleo ou xisto e refiná-lo em matérias-primas puras, como o etileno. Quando você recicla quimicamente resíduos em um método como o que desenvolvemos, você inevitavelmente acabará com uma mistura de produtos químicos, porque os plásticos não são puros (possuem aditivos). Tornar os produtos competitivos em termos de custos usando uma mistura é tecnicamente desafiador e substituiria muitos dos produtos existentes nos quais a indústria desfruta de grandes margens se for bem-sucedida. Portanto, o setor tem muitos motivos para não querer seguir esse caminho.”

A aplicabilidade do projeto é global, segundo a especialista. “É necessária a capacidade de financiar, permitir e operar uma instalação química.”

O impacto do Prêmio Rolex de Empreendedorismo

Contemplada com o Prêmio Rolex de Empreendedorismo deste ano, que leva apoio financeiro a indivíduos que desenvolvem soluções para desafios sociais, científicos ou ambientais, Miranda Wang conta que, por estarem num momento em que “os investidores financeiros consideram muito cedo para financiar”, o incentivo da Rolex elimina a lacuna de risco da tecnologia. “Para novas tecnologias, esse estágio é conhecido como Vale da Morte, e é a maior razão pela qual as inovações não chegam a ser usufruídas pela sociedade. A Rolex está nos ajudando para que possamos acessar o financiamento tradicional em escala na próxima etapa. Eles também estão nos permitindo concluir nosso desenvolvimento de tecnologia de forma independente dos interesses estratégicos do setor. Isso nos possibilita desenvolver o que realmente acreditamos que o mundo precisa, em vez de criar algo que uma empresa química deseje adquirir”.

Com o investimento da Rolex, ela planeja construir uma usina de processamento de modelo comercial. O objetivo é reciclar, até 2023, 45.500 toneladas de resíduos, o que evitaria a emissão de 320 mil toneladas de gás carbônico. “O projeto fica sob uma lente de aumento e consigo acelerar o ritmo ao cumprir os compromissos que assumi em resolver o problema do plástico”, finaliza Wang.

FONTE: Revista Marie Claire
FOTO: Miranda Wang (Foto: Rolex/Bart Michiels)