País ganha seus primeiros projetos de “waste-to-energy”
Por Letícia Fucuchima
Amplamente adotada em países europeus e asiáticos, a recuperação energética de resíduos sólidos começa a dar seus primeiros passos no Brasil, com empresas nacionais e multinacionais se movimentando para viabilizar projetos em diferentes escalas.
O principal impulso ao segmento promete vir do próximo leilão de energia nova “A-5” do governo. Marcado para setembro, o certame é o primeiro a ter uma categoria específica para contratar soluções de recuperação energética do lixo urbano. Mas algumas iniciativas, independentes da licitação, já vêm saindo do papel.
A ZEG Ambiental, empresa do grupo Capitale Energia, vai inaugurar nos próximos meses unidades de “waste-to-energy” (WTE) em fábricas da Neotech Soluções Ambientais e da Nexa Resources, companhia de metais da Votorantim.
Os dois projetos vão testar uma tecnologia proprietária da ZEG que viabiliza usinas de recuperação energética em pequena e média escala. Batizada de “Flashbox”, a solução envolve um reator que transforma resíduos em “gás de síntese”, um combustível renovável que pode ser usado em processos industriais ou para a geração de energia elétrica.
Em agosto, entra em operação o projeto junto à Neotech em Uberaba (MG), onde são tratados resíduos da Ourofino, de defensivos agrícolas. Com capacidade para processar 970 toneladas por mês, a unidade substituirá o uso de gás liquefeito de petróleo (GLP) num dos processos da Neotech. Já no caso da Nexa, a partir de novembro a usina da ZEG fornecerá vapor para a unidade de zinco de Juiz de Fora (MG), substituindo até 50% do consumo de combustível fóssil.
Juntas, os dois projetos somam investimentos de R$ 50 milhões, com recursos próprios da ZEG.
A tecnologia foi pensada para resolver o problema do lixo urbano, mas, para testá-la comercialmente, a rota inicial foram clientes industriais, explica André Tchernobilsky, CEO da ZEG Ambiental e um dos desenvolvedores do “Flashbox”. “Estamos tomando cuidado para desenvolver o mercado brasileiro”.
O Brasil está atrasado na agenda de recuperação energética de resíduos, mas a oportunidade é enorme. Segundo a Abren, entidade do setor, mais de 90% dos resíduos seguem para aterros sanitários sem qualquer tipo de tratamento – além dos riscos ambientais e à saúde pública, há uma enorme oportunidade desperdiçada para a geração de energia.
O país possui algumas unidades que capturam biogás em aterros sanitários para produzir energia ou biometano, mas nenhuma que reaproveite o poder calorífico do lixo a partir da incineração que utiliza um método comum em países europeus e asiáticos chamado “mass burning”. A principal dificuldade para a aplicação local dessa solução é o elevado custo dos equipamentos, o que inviabiliza projetos em pequena escala.
“A incineração torna-se viável em municípios acima de 700 mil habitantes. Tecnologias como a da ZEG abrem novas possibilidades para cidades menores”, afirma Yuri Schmitke, presidente da Abren.
Schmitke aponta ainda que as vantagens das usinas “waste-to-energy” são conhecidas há anos. Segundo o 5º relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU (IPCC), esses empreendimentos reduzem em 8 vezes as emissões de gases de efeito estufa quando comparados com os aterros com sistema de captura de metano, e são a forma mais eficaz para mitigação dos gases de efeito estufa dos resíduos sólidos urbanos.
A expectativa é que o setor ganhe impulso com o leilão “A-5”, que poderá viabilizar usinas de grande porte. Segundo a Abren, três dos 12 projetos cadastrados pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) para o certame estão em estágio mais avançado, já com licenciamento ambiental.
No total, esses três empreendimentos somam 150 MW dos 315 MW habilitados pela EPE, e estão sendo desenvolvidos pelo grupo Lara, de gestão de aterros, em Mauá (SP); pela Orizon Valorização de Resíduos, em Barueri (SP); e pela Ciclus, no Rio de Janeiro.
Com as movimentações recentes na área, o presidente da entidade setorial afirma que vários grupos internacionais começaram a estudar oportunidades no Brasil. Ele cita como exemplos Veolia, Hitachi Zosen Inova (HZI) e Babcock & Wilcox (B&W).
A ZEG não chegou a inscrever projetos para o leilão, mas está avançando com negociações para tirar o papel suas primeiras unidades de recuperação de lixo urbano no ano que vem. “Conversamos com operadores de lixo e de gestão de aterro, já estamos com quatro memorandos de entendimento para implementação de ecoparques a partir de 2022, no Estado de São Paulo e um no Sul do país”.
Os “ecoparques” seriam instalações completas, com local para recepção dos resíduos, centrais de triagem para reciclagem e a usina de reaproveitamento energético. Em 2022, a ZEG deve buscar financiamento de R$ 500 milhões para dar início aos projetos.